11/02/14

se numa noite de inverno um viajante

© John Dunnigan

Quantas vezes,
ao notar que o meu passado começava a pesar-me,
que havia muita gente que pensava ter um crédito para comigo,
material e moralmente,
quantas vezes,
quando o passado me pesava de mais,
tivera a esperança de cortar tudo pela raiz:
mudar de ofício, de mulher, de cidade, de continente
— um continente a seguir ao outro até dar a volta completa —,
de costumes, de amigos, de negócios, de clientela.

Era um erro,
quando percebi era tarde.
Porque deste modo
não fiz senão acumular passados sobre passados
atrás das costas,
multiplicá-los,
aos passados,
e se uma vida me parecia já demasiado cheia
e ramificada e enredada para andar sempre com ela,
imagine-se muitas vidas,
cada uma com o seu passado
e com os passados das outras vidas
que continuam a ligar--se uns aos outros.

Não servia de nada dizer às vezes:
que alívio, ponho o conta-quilómetros a zero,
passo a esponja pelo quadro:
no dia a seguir ao da chegada a um país novo,
já este zero se tornara um número com tantos algarismos
que já não cabia no contador,
que ocupava o quadro de uma ponta à outra,
pessoas, lugares, simpatias, antipatias, passos em falso.

(…)

italo calvino
trad. josé colaço barreiros

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