28/12/11

A queda.


Os amigos rodeiam-se da calma necessária em que eu somente me deixo transparecer. Dentro de cada um existe um pedaço de vidro e de papel, como se me despedaçasse quando me atiram pedras.
O suor surge quando menos se quer que se erga a cidade. Hoje é difícil criarmo-nos, porque todos se deixam diluir como as músicas como as palavras ao descerem a pele em direcção ao rosto. Deixa-se surgir a verdade. Deixa-se transparecer pelo corpo enquanto se foge do que não sei.
Durante a longa queda - que se desvanece nos cabelos - existe um pequeno lugar - junto aos dedos, não muito perto da mão - onde todos os poemas nascem e morrem. Onde todas as crianças crescem ou desaparecem.

Como estas paredes que se desenham, com sorrisos em lugar de quadros, com olhares despertos e interessados no cansaço das minhas pálpebras. Deixa-se correr a tinta pelos quadris, ao molhar-se a pele chega o momento certo: onde a bala do tempo se contorce. Nem uma silva de prata a zunir pelo quarteirão, um corte no peito, uma tentativa de roubar de mim aquilo que nem eu tenho como se fossem palavras ou gestos que se esquecem quando o quarto fica escuro e só se vêem diamantes e frases semi-apagadas. Perco pela rua a roupa porque assim me possuo.

Porque assim consigo ver a tua face onde ela já não existe. Hoje está difícil andar. Está calor. No adro da igreja ouvem-se pardais e pombos por onde não quero passar. O único caminho é por debaixo do peso da explicação.
Por debaixo de mim erguem-se vozes que se assemelham a um poço de sangue a um sorriso sem intenção.
É por isso que, quando nos reflectem os braços do rio, nos esquecemos de dormir enquanto implodimos dentro de alguém como um poema. 

Deixamo-los partir para que nada reste deles - os amigos - e aí perguntam-nos como nos sentimos e respondemos em silêncio porque nada mais resta.

Sérgio Xarepe

:((

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