Artigo publicado na Revista Visão
por Clara Soares.
Do que uma multidão de homens e mulheres gostam - mesmo -, mas continua a ser tabu. Conclusões do livro Milhões de Pensamentos Perversos, de Ogi Ogas e Sai Gaddam
Diz-se que já tudo foi inventado. O que está a dar é reinventar. E a fantasia humana é ilimitada. "Como é que nunca ninguém se lembrou disto?", perguntaram, um dia, dois neurocientistas americanos, especializados na área computacional. Ogi Ogas e Sai Gaddam, da Universidade de Boston, decidiram criar um modelo da mente sexual de homens e mulheres de todo o mundo. A partir do que fazem, realmente, às escondidas, na grande aldeia global da net. Recolheram e analisaram 400 milhões de pesquisas em motores de busca com conteúdos para adultos: sites, vídeos, comentários, anúncios pessoais, histórias eróticas e romances. As conclusões estão no livro Milhões de Pensamentos Perversos (Lua de Papel, 344 págs., €15,90).
Dado número um: nascemos com um equipamento sexual do desejo, programado para encontrar parceiros à medida das nossas mais estranhas taras e manias. Dado número dois: os circuitos mentais da mulher têm duas tomadas e os dos homens só possuem uma. Eles pensam, ao mesmo tempo, com as duas cabeças, perante estímulos visuais. Não admira que as achem complicadas: no equipamento delas, a excitação física e psicológica estão separadas e não há pílula do desejo que lhes valha. Por enquanto. Dado número três: a igualdade de género não funciona na cama. As mulheres raramente pagam para ver pornografia. O cérebro sexual feminino é ativado pelas pistas do enredo, onde todos os detalhes contam. A libido delas acorda diante do herói dominador da cultura pop, que as considera irresistíveis e se submete ou, melhor ainda, as submete com estilo. Numa versão mais obscura, a conflituosa relação entre dois machos alfa, que acabam emocionalmente envolvidos, dá-lhes arrepios e adrenalina (como esquecer a dupla Tom Cruise e Brad Pitt, no filme Entrevista com o Vampiro?).
Um homem satisfaz-se com aventura, risco e diversidade. Quer ver pénis, rabos, mamas e pés. Mulheres tenrinhas e maduras. E todo o tipo de interditos, do sadismo à bestialidade. Uma mulher aquece com narrativas românticas e jogos de sedução, onde o contexto é tudo. A explosão de contos eróticos sobre ícones da cultura pop é disso a prova.
A megaexperiência de Ogas e Gaddam está para o século XXI como as do investigador Alfred Kinsey para o século que passou. Sem falsos pudores, mostra que certas práticas, etiquetadas pelos especialistas como anormais ou perversas na sociedade dita civilizada, acontecem com mais frequência e normalidade do que é admitido.
(A)MORALIDADE SEXUAL
As "pegadas sexuais" dos internautas da amostra trazem à superfície tendências insólitas. Um homem que paga para ter sexo telefónico dispensa a imagem, porque a ideia é dizer palavrões e deixar-se dominar pela operadora. A mulher que aprecia romance também se imagina como prostituta, ou fica arrebatada pela ideia de ser raptada pelo homem das cavernas ou por aquele cavalheiro insuspeito, que a ata e a deixa indefesa. Tanto um como o outro género pela-se por uns bons açoites e excita-se com a possibilidade de enganar o parceiro. Mais bizarro ainda, ser alvo da traição dele (ou dela).
A má da fita é a biologia da espécie. A evolução programou o macho para ser caçador reprodutor, cabendo à fêmea precaver-se de jogadas arriscadas, a menos que encontre um protetor forte, capaz de sustentar a prole. Não é de estranhar, por isso, que os adolescentes surjam no topo das preferências sexuais: a juventude é um potente afrodisíaco. O que ainda não se sabia é que as mulheres e homens mais velhos, que surgem nas pesquisas da net com as tags (etiquetas de busca) "mãezinha", "avozinha marota", "paizinho" e "maduro", fazem as delícias de muita gente (basta pensar nas versões masculina e feminina popularizadas em séries como Donas de Casa Desesperadas e Dr. House). Sair da norma é uma forma de evasão comparável à proporcionada pela gastronomia. Seja com picante, molho agridoce, gafanhotos ou cozinha de fusão, o princípio é divertir-se e sair da experiência com satisfação, sem dar relevância a quem veja nisso um gosto perverso. E a pesquisa de conteúdos eróticos gay continua a ser muito popular no ciberespaço. Já contrariando todos os cânones acerca da beleza feminina, as mulheres roliças, com seios a condizer, são delícias gourmet muito solicitadas por quem navega nos motores de busca.
PROIBIDO É DEVIDO
O sex appeal não escolhe idade, medida ou peso. Mas tem esquemas concretos na mente sexual. Por exemplo, cada "versão" heterossexual apelativa tem o seu equivalente gay (mulher robusta e dominadora/homem pujante e barbudo; "mãe" de outrem, sedutora e marota/"pai" de terceiro, cativante e experiente; rapariga "boazona"/rapaz "pão"). No género porno, os vídeos mais populares mostram os corpos transpirados e as expressões faciais do homem, que agradam tanto aos homossexuais como às mulheres. Os filmes e ficções no feminino estão em franca expansão, por prolongarem a saga, repleta de momentos provocadores. E de elementos de tensão entre personagens, com desejos proibidos.
A motivação central de todos é simples: "Surpreende-me com algo que eu ainda não saiba." Os autores deste estudo espantaram cientistas e terapeutas sexuais. E não só. Ogi Ogas faz investigação em biodefesa para os puritanos serviços de segurança dos EUA. A ideia de concretizar o livro e transgredir o politicamente correto terá sido mais forte e falado mais alto.
Curiosidades: Sabia que...
... os pés são uma pista sexual masculina que sugere submissão?
... ambos os sexos acham o rabo um must?
... em cada pesquisa online, por rapariga magra, há três com a menção "gorda"?
... grande nunca é de mais, sejam os pénis deles ou os seios delas?
Entrevista a Ogi Ogas, Neurocientista de 41 anos, o coautor de Milhões de Pensamentos Perversos dá pistas sobre "a maior experiência comportamental do mundo":
'Aconselharam-nos a não nos metermos nisto'
O que foi mais intrigante nesta pesquisa?
Fantasias como trair a namorada ou ser enganado pela mulher revelam-se comuns e populares. As práticas de domínio e submissão também estão inscritas no nosso cérebro sexual. Há muita ignorância científica sobre o que é, ou não, normal. E barreiras políticas. Colegas nossos aconselharam-nos a não nos metermos nisto, para preservar as nossas carreiras.
O que é mesmo novo, na "guerra dos sexos"?
As diferenças do desejo, no plano cerebral. O dos homens, visual, excita-se com partes do corpo - seios, rabos, pés e pénis. A mente feminina é como uma agência de detetives, fascina-se com traços de caráter e enredos.
Como define o desejo gay e lésbico?
São versões ampliadas de cada um dos géneros. Os homens, mais masculinos e visuais, fazem tudo em maior proporção do que os heterossexuais (sexo casual, consumo de porno...). As mulheres enfatizam mais os aspetos relacionais (diálogos, emoções) do que as que gostam de homens.
Ler mais: http://visao.sapo.pt/fetiches-secretos-o-que-eles-e-elas-gostam=f669104#ixzz1xQUj9Cfb
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