11/09/13

A Concha


"A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.      

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.      

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.         

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória."      
  
Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso (1938)

       

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