17/02/12

A ti mesmo, nada perguntes.

Pergunta às árvores da rua 
que notícia têm desse dia 
filtrado em betume da noite; 
se por acaso pressentiram 
nas aragens conversadeiras, 
ágil correio do universo, 
um calar mais informativo 
que toda grave confissão. 

Pergunta aos pássaros, cativos 
do sol e do espaço, que viram 
ou bicaram de mais estranho, 
seja na pele das estradas 
seja entre volumes suspensos 
nas prateleiras do ar, ou mesmo 
sobre a palma da mão de velhos 
profissionais de solidão. 




Pergunta às coisas, impregnadas 
de sono que precede a vida 
e a consuma, sem que a vigília 
intermédia as liberte e faça 
conhecedoras de si mesmas, 
que prisma, que diamante fluido 
concentra mil fogos humanos 
onde era ruga e cinza e não. 

Pergunta aos hortos que segredo 
de clepsidra, areia e carocha 
se foi desenrolando, lento, 
no calado rumo do infante 
a divagar por entre símbolos 
de símbolos outros, primeiros, 
e tão acessíveis aos pobres 
como a breve casca do pão. 

Pergunta ao que, não sendo, resta 
perfilado à porta do tempo, 
aguardando vez de possível; 
pergunta ao vago, sem propósito 
de captar maiores certezas 
além da vaporosa calma 
que uma presença imaginária 
dá aos quartos do coração. 

A ti mesmo, nada perguntes. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'A Vida Passada a Limpo'

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