kassandra09
"Leve, como uma coisa que
começasse, a maresia da brisa pairou sobre o Tejo e espalhou-se sujamente pelos
princípios da Baixa. Nauseava frescamente, num torpor frio de mar morto.Senti a
vida no estômago, e o olfacto tornou-se-me uma coisa por detrás dos olhos.
Altas,pousavam em nada nuvens ralas, rolos, num cinzento a desmoronar-se para
branco falso. A atmosfera era de uma ameaça de céu cobarde, como a de uma
trovoada inaudível, feita de ar somente.Havia estagnação no próprio voo das
gaivotas; pareciam coisas mais leves que o ar, deixadas nele por alguém. Nada
abafava. A tarde caía num desassossego nosso; o ar
refrescava intermitentemente.
Pobres das esperanças que tenho tido, saídas da
vida que tenho tido de ter! São como esta hora e este ar, névoas sem névoa, alinhavos
rotos de tormenta falsa. Tenho vontade de gritar,para acabar com a paisagem e a
meditação. Mas há maresia no meu propósito, e a baixa-mar em mim deixou
descoberto o negrume lodoso que está ali fora e não vejo senão pelo
cheiro.Tanta inconsequência em querer bastar-me! Tanta consciência sarcástica
das sensações supostas! Tanto enredo da alma com as sensações, dos pensamentos
com o ar e o rio, para dizer que me dói a vida no olfacto e na consciência, para
não saber dizer, como na frase simples e ampla do livro de Job, "Minha alma
está cansada de minha vida!"
Pessoa,Livro do Desassossego
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Respirem fundo e desabafem,:)