SM 29.04.2012
"Tirava os quadros da parede. Voltava a pendura-los. Olhava. Mas quem lhe diz que visse. Repetia a mesma faixa do disco. Escutava. Mas quem lhe diz que ouvisse. Queria chegar a uma conclusão, isto podemos afirmar sem dúvida. Mas quem lhe diz que houvesse. E quem lhe diz que fizesse diferença haver ou não haver. E quem lhe diz que todo o caminho não fosse exactamente não chegar. Ninguém lhe diz. De fato, ninguém lhe diz.
Era assim que agora saiam as palavras. Como pedras das mãos espantadas. Como gritos, como facas subitamente desferidas contra a página onde se calavam. Longe ia o tempo dos ofícios desesperados. Longe ia o tempo também das crenças iluminadas. As palavras, essas que sem querer continuava a escrever, já não sabia procura-las, chamar por elas, vagarosamente prendê-las no seu redil. E era sem que o esperasse mais feliz assim. Lábios com a forma da sua boca fechada.
Toda a vida tentara entender a vida, vivê-la como ideia que pudesse pensar. Só agora percebia que a vida era outra realidade. Uma brisa inesperada na face. Uma areia encravada sob a pálpebra. Nada que alguma vez tivesse pensado. Esta lágrima. Este choro que arranha e lava."
Jorge Roque
telhados de vidro nr. 12
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