16/01/13

Assim, sem mais


"Merece o que sonhas"
Octavio Paz
Palavras, frases, sílabas, astros que giram em redor de um centro fixo. Dois corpos, muitos seres que se encontram numa palavra. O papel cobre-se de letras indeléveis, que ninguém disse, que ninguém ditou, que ali caíram e ardem e queimam e apagam. Assim, a poesia existe, o amor existe. E se eu não existo, existes tu.

Por toda a parte aqueles forçados à solidão começam a criar as palavras do novo diálogo.

O curso de água. O sopro de saúde. Uma garota inclinada sobre o seu passado. O vinho, o fogo, a guitarra, a sobremesa. Um muro de veludo encarnado na praça de um povoado. As aclamações, a cavalaria reluzente entrando na cidade, a população apreensiva. A irrupção do branco, do verde, das chamas. O que é fácil por demais, o que se escreve a sós: a poesia.

O poema prepara uma ordem amorosa. Prevê um homem-sol e uma mulher-lua, ele livre do seu poder, ela livre da sua escravidão, e amores implacáveis raiando o espaço negro. Tudo há-de ceder a essas águias incandescentes.

Pelas ameias adiante o canto da alvorada. A justiça poética incendeia campos de opróbrio: não há lugar para a nostalgia, o eu, o nome próprio.

Todo o poema se realiza às custas do poeta.

Meio-dia futuro, árvore imensa de folhagem invisível. Nas praças os homens e as mulheres cantam o canto solar, fonte de transparências. Cobre-me o amarelo marulhar: nada de meu falará pela minha boca.

Quando a História dorme, fala nos sonhos: diante do povoado adormecido o poema é uma constelação de sangue. Quando a História desperta, a imagem faz-se acto, acontece o poema: a poesia entra em acção.

Merece o que sonhas.


2 comentários:

Respirem fundo e desabafem,:)