25/03/13

Dor que queima


Saiu de casa. Mais por teimosia do que por vontade, que este tempo soturno não a  puxava para nada a não ser ficar debaixo de uma manta. Mas prometeu que se tirou um dia não seria para ficar fechada, não desta vez. 
Arrastou o corpo para o duche, penteou o cabelo e vestiu-se de preto como se fosse para um funeral. Sem vontade, meteu-se no carro e foi ver montras para ver se animava, seguindo a premissa segundo a qual as mulheres gostam de fazer compras e ver montras....

Não viu nada nas montras....passou por vários vultos, também sem os ver.... apesar das lojas cheias e da azáfama dos funcionários. 

Entrou numa loja, teimando que iria comprar um vestido e saiu de lá sem nada. Uma voz disse-lhe "Boa Páscoa" ao entregar o papel do multibanco no café e no pensamento ocorreu-lhe que nos últimos tempos não tem vontade de comemorar Natal, Páscoa ou aniversários. 

Anda tudo sem sabor.Outros vultos passam sem a ver e ela continua, olhando o chão, deixando que as lágrimas se misturem com a chuva. Deve ser da chuva, deste frio cinzento que teima entrar nos ossos e ficar. Da dor que queima as palavras que já não se tem vontade de dizer nem sentir.


"Que fazes tu quando os fantasmas se assomam à tua pele e a fazem gritar?

andas pela cidade como quem ouve sons inexistentes,
à procura de um rosto que se esvaneceu e que deixou nas mãos um sabor acre,
um rasto luminoso que não indicia a sua direcção.
vês, sem pressas, as pistas que o corpo foi deixando cair na estrada,
nos postes de luz, nas paredes desnudas e rasuradas:
tentas ler cartas amarelecidas pelo calor da solidão:
respiras rápidamente, deixas partir amigos que vão para outros destinos;
despedes-te deles e nada mais
há.
partilhas o corpo nesse momento. Sentes o suor escorrer pelas malas inacabadas:
sentes a boca contorcer com a falta de espaço com a falta em si
e os olhos percorrem-te por dentro,
implodes na tua ânsia de reconhecer quem se foi embora
e que, de quando em vez, manda cumprimentos para logo de seguida
desaparecer
por entre a multidão em silêncio."



SAFIR


2 comentários:

  1. Identificação plena! Saudade dos tempos em que sentia o fogo a correr-me nas veias e a revolta não me consumia. Pelo contrário, impulsionava-me para a resposta mais consequente! "Pena de "olho por olho, dente por dente"! Ainda no presente,,,, a fra,se fica " Amor com amor se paga!"

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  2. Obrigado pelo comentário:) sempre bem-vindo.

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Respirem fundo e desabafem,:)